Design — A Tragédia da Articulação de Símbolos Contemporâneos

Em uma era em que a estética e a funcionalidade do design transcendem o simples embate entre forma e função, o design tornou-se a tragédia contemporânea de nossa civilização. Mas por que tragédia? Porque o design, como uma ferramenta supostamente voltada para melhorar a vida humana, ao ser usado para servir ao capetalismo de grandes empresas, acaba por perpetuar um ciclo de consumo desenfreado e alienação sutil. Nas mãos de corporações que disputam o poder através da diferenciação, o design se transforma de forma trágica em um veículo de homogeneização, esvaziando o significado do que ele deveria ser e instaurando um tipo de caos que poucos ousam reconhecer.

11/9/20246 min read

A Tragédia Clássica e a Perda do Propósito

Nas tragédias gregas, a queda do herói era marcada por uma falha trágica — um “hamartia” que, se ignorado, conduzia ao desastre inevitável. No contexto do design moderno, esse "erro" é a própria obsessão pela diferenciação a qualquer custo. Grandes empresas transformaram o design em um instrumento de fascínio, mascarando a repetição e a obsolescência planejada com uma estética efêmera e calculada. Em vez de servir aos indivíduos e enriquecer suas vidas, o design, ao contrário, os manipula e os esgota, transformando necessidades fictícias em verdades absolutas. Aqui, a tragédia reside na perda do propósito original do design: uma arte dedicada a resolver problemas humanos.

O design deixou de ser a ferramenta pela qual se repara, se ajusta, se compõe; ele é agora a máquina de criação constante de demandas e tendências, a engrenagem que nos empurra em direção ao novo apenas para que o próximo “novo” já esteja a caminho. Como na tragédia clássica, o erro não é um simples desvio, mas um destino que conduz ao colapso — uma espiral em direção à superficialidade e ao desapego do real.

A Tragédia Romântica e o Design como Fetiche

Nas tragédias românticas, os protagonistas são arrastados por um desejo insaciável, uma atração irresistível pelo inalcançável. Analogamente, o design contemporâneo promove um fetiche pela experiência, pela exclusividade, pelo objeto que apenas "parece" comunicar o status, mas esvazia-se de verdadeiro significado. Grandes corporações inundam o mercado com produtos desenhados para seduzir e capturar o desejo, transformando o design em um jogo de ilusões, onde a identidade do consumidor é constantemente moldada e remoldada para satisfazer essa ânsia eterna pelo "diferente".

Este ciclo trágico torna o design uma ferramenta de manipulação: as marcas competem pelo controle do imaginário coletivo e exploram as fraquezas do consumidor. O design deixa de ser um ato de criação para ser um ato de imposição, onde a beleza e a inovação servem a propósitos vazios e momentâneos. Como resultado, aquilo que é criado para elevar o espírito humano passa a deformá-lo, distorcendo nossos desejos e confundindo o valor real com o valor aparente. Como nos dramas de amor românticos, a busca pelo inalcançável, pelo próximo produto, pelo próximo ideal, conduz a uma relação de insatisfação perpétua e um vazio existencial.

A Tragédia Existencialista e o Design como Alienação

Se na tragédia clássica e na romântica o protagonista luta contra seu destino ou seus desejos, na tragédia existencialista ele enfrenta o absurdo. O design contemporâneo, quando transformado em uma ferramenta de diferenciação de mercado, contribui para a alienação moderna, onde o consumidor é envolvido em uma cadeia de objetos e experiências que prometem dar sentido, mas não o fazem. Este “absurdo” é o cerne da tragédia do design na era das grandes corporações: o esforço incessante para preencher o vazio com objetos e ambientes que simulam significado, mas apenas ampliam o abismo.

O caos, então, não é uma perturbação visível, mas uma fragmentação do próprio ser humano, uma vez que o design passa a englobar não só a aparência dos produtos, mas o ambiente e o comportamento dos consumidores. Tudo passa a ser moldado por uma estética utilitária que visa ao controle, onde o design serve ao propósito de conduzir o olhar e direcionar a atenção do consumidor, afastando-o da capacidade de reflexão e crítica. Em vez de ser uma prática de humanização, o design torna-se uma prática de alienação. Assim como na tragédia existencialista, o ser humano é lançado em um vazio em que seu próprio desejo de identidade é absorvido e transformado em mais uma peça para a continuidade do sistema.

O Design como Instrumento de Caos e Uniformidade

O grande paradoxo é que, embora seja promovido como um meio de diferenciação, o design contemporâneo serve a uma homogeneização insidiosa, onde cada produto se torna um reflexo de outro, e onde o valor da novidade se torna tão comum que logo é descartado. A multiplicidade de ofertas, de tendências, de produtos que prometem exclusividade se transforma num espelho em que todas as diferenças aparentes revelam-se identicamente vazias. Essa repetição do vazio gera caos — um caos de mensagens dissonantes, onde o indivíduo perde a capacidade de distinguir entre o essencial e o supérfluo, entre o desejo autêntico e o desejo induzido.

Essa dissonância, essa confusão entre o que é realmente desejado e o que é meramente imposto, cria um ambiente onde o caos não é sentido como ruptura, mas como ruído. O design, que poderia ser uma expressão da individualidade e da harmonia, torna-se uma armadilha que encarcera o ser humano em um labirinto de signos sem saída. A tragédia contemporânea do design é, portanto, um paradoxo onde a promessa de diferenciação culmina em um desespero silencioso, em uma prisão de ideias e estéticas que apenas colaboram para a perpetuação de um sistema desordenado e desumano.

A Morte do Design enquanto Ato Criativo

O aspecto mais sombrio dessa tragédia é a própria morte do design enquanto ato de criação. Ao se render à lógica do mercado, o design abdica de sua essência e converte-se em uma repetição vazia, onde o ato criativo é subsumido pelo ato produtivo. A cada ciclo de lançamentos, a cada nova coleção e tendência, o design se aproxima mais de sua extinção enquanto expressão de algo genuinamente humano. Em vez de libertar, ele aprisiona; em vez de construir, ele destrói; em vez de criar, ele fragmenta. E o ciclo se repete, deixando para trás apenas uma esteira de produtos que falam pouco, que representam nada e que perpetuam tudo o que há de mais artificial no nosso tempo.

O design, enquanto ferramenta da contemporaneidade, é, portanto, uma tragédia moderna. Ele é o reflexo das contradições de uma sociedade que procura significado naquilo que apenas esconde o vazio, que busca diferenciação naquilo que nada mais é do que uma ilusão de liberdade. Essa é a tragédia do design, uma arte que prometia elevar o humano e que, no final, transforma-o em uma vítima de seu próprio desejo por diferenciação, uma vítima que, cegamente, contribui para o caos ordenado do sistema que não cessa de consumir a si próprio.

O Design e a Distorção do Simbólico

Em Articulações Simbólicas, o design é descrito como um "agente simbólico," capaz de codificar e transmitir valores e significados. No entanto, quando apropriado por grandes empresas, ele perde sua essência simbólica para se tornar uma ferramenta de massificação. A tragédia reside no fato de que, em vez de enriquecer a experiência humana e as narrativas culturais, o design passa a operar como um mecanismo de distorção simbólica. Isso resulta em objetos e produtos que simulam significados profundos, mas que, na verdade, são esvaziados de valor, promovendo uma alienação em massa e fragmentando a capacidade de interpretação do usuário.

O livro destaca que, enquanto o design deveria trazer uma “articulação de sentidos” que enriqueça a experiência de vida, o uso corporativo tende a gerar uma “articulação de controle.” Esse fenômeno cria uma linguagem simbólica artificial que, em vez de provocar reflexão, visa à obediência e à passividade.

A Estética do Caos e a Alienação Cultural

O conceito de uma "nova filosofia do design" em Articulações Simbólicas sugere que o design poderia ser um campo de resistência cultural, um espaço onde se subvertem as imposições do mercado para resgatar valores mais autênticos e complexos. Porém, na prática atual, o design de produtos se estrutura como um “labirinto estético”, onde a busca por diferenciação conduz ao caos visual e cultural, afastando o usuário de qualquer ligação profunda com o objeto.

Assim, a tragédia moderna do design está em como ele reforça o caos cultural. Produtos de grande consumo, esteticamente sofisticados mas simbolicamente vazios, contribuem para uma sensação de alienação. Ao invés de enriquecer a experiência, o design contemporâneo, segundo o livro, “articula uma homogeneização paradoxal,” onde o caos se revela na uniformidade; uma multiplicidade de objetos com variações mínimas que inundam o cotidiano e condicionam as identidades de forma desarticulada.

O Colapso da Síntese Simbólica

No plano filosófico, Articulações Simbólicas propõe o design como uma forma de "síntese simbólica" — uma interseção de valores, identidades e contextos. Todavia, na tragédia contemporânea do design, essa síntese se desfaz, diluindo o design a um mero processo de diferenciação mercadológica sem substância. Em vez de conectar o usuário ao objeto de maneira simbólica e significativa, o design passa a operar como um elemento de consumo cíclico, onde a diferenciação estática nada mais é que um reflexo de seu próprio vazio.

O livro aponta para o potencial de uma abordagem mais humana e simbólica no design, onde o propósito seria guiar o usuário em direção a uma consciência ampliada, uma "articulação simbólica genuína" que transcende o simples ato de consumo. Contudo, no cenário corporativo, essa proposta se inverte: o design se torna a própria ferramenta do “desmantelamento simbólico,” transformando o mundo em um espaço de uniformidade estética e caos significativo.