Entre Símbolos e Emoções: A Magia Oculta da Estética Contemporânea
Há forças invisíveis que movem nossas criações, emoções e percepções. A estética, como a magia, opera além do tangível, moldando realidades internas e externas. No cruzamento entre o oculto e o visível, Papus nos revela como os símbolos, gestos e intenções podem não apenas expressar, mas transformar profundamente. Este texto irá mergulhar nas profundezas da relação entre arte e magia a partir da obra "Tratado elementar de magia prática", de Papus (Dr. Gérard Encausse) questionando o que realmente vemos quando experienciamos a arte. O que há de oculto por detrás dela?

Magia e Arte: A Criação pela Vontade
No primeiro tópico do Tratado Elementar de Magia Prática, Papus explora a ideia central de que a magia é uma forma de criação ativa e direcionada pela vontade humana, capaz de moldar a realidade por meio do uso consciente de símbolos e energias invisíveis. Esta concepção é particularmente reveladora quando aplicada ao campo da arte e da estética, onde o processo criativo também pode ser entendido como um ato mágico — uma ação de transformar o invisível em algo concreto e perceptível.
Papus defende que a magia, em seu nível mais fundamental, é a capacidade de intervir no tecido da realidade por meio da vontade direcionada. O praticante de magia utiliza símbolos, gestos e rituais para canalizar energias e moldar sua própria experiência do mundo. Esse ato de criação intencional não é diferente do que vemos no trabalho artístico. O artista, em sua essência, é aquele que manipula formas, cores, sons e palavras para materializar conceitos invisíveis e subjetivos, provocando uma reação emocional e intelectual em seu público.
No contexto da arte moderna, essa ideia de "criação pela vontade" pode ser claramente observada nos movimentos artísticos que surgiram no final do século XIX e início do século XX, período em que Papus viveu e produziu sua obra. Artistas como Wassily Kandinsky e Kazimir Malevich, por exemplo, utilizaram formas abstratas e cores como símbolos carregados de intenção emocional e espiritual. Kandinsky, em particular, acreditava que a cor e a forma tinham o poder de influenciar diretamente a alma, uma visão que ressoa profundamente com a concepção de Papus sobre a magia como uma prática capaz de alterar o estado emocional e mental do praticante ou do observador.
Assim como o mago deve aprender a controlar sua própria mente e vontade para efetivamente realizar seus rituais, o artista deve dominar sua técnica e sua visão criativa para transmitir a intenção desejada por meio de sua obra. Nesse sentido, tanto a arte quanto a magia podem ser vistas como disciplinas que exigem uma profunda autodisciplina, treinamento e conhecimento das ferramentas simbólicas e estéticas que estão sendo usadas. A diferença crucial, no entanto, reside no propósito: enquanto a arte geralmente visa provocar reflexão ou emoção, a magia busca um impacto mais direto e transformador no mundo físico e espiritual.

Simbolismo: A Linguagem Oculta da Estética
Papus dedica uma parte significativa de sua obra ao estudo dos símbolos e sua importância na prática mágica. Ele argumenta que os símbolos não são meramente representações visuais de ideias, mas veículos que contêm energias poderosas e significados profundos. O mago utiliza símbolos como um meio de comunicação entre os diferentes planos de existência, trazendo para o nível consciente energias e conceitos que de outra forma permaneceriam ocultos.
Na arte, o uso de símbolos desempenha um papel semelhante. Movimentos como o simbolismo e o surrealismo adotaram essa ideia esotérica da arte como uma ferramenta para acessar realidades invisíveis. Obras de artistas como Gustave Moreau e Odilon Redon são ricas em símbolos enigmáticos que, assim como os utilizados na magia, possuem múltiplos significados e podem ser interpretados de várias maneiras, dependendo do nível de consciência do observador. Esses artistas não estavam apenas interessados em criar belas imagens, mas em utilizar a arte como uma ponte entre o mundo visível e o invisível, entre o consciente e o inconsciente.
Papus acreditava que o mago precisava entender o significado profundo dos símbolos que ele usava, pois eles carregavam o poder de transformar a realidade. Da mesma forma, os artistas simbolistas e surrealistas acreditavam que suas obras tinham o potencial de mudar a percepção do observador, forçando-o a confrontar realidades ocultas e verdades psicológicas que normalmente permaneciam reprimidas. Aqui, mais uma vez, vemos o paralelo entre a arte e a magia: ambas operam por meio da manipulação de símbolos poderosos e ambos exigem uma compreensão profunda do poder que esses símbolos carregam.
A Intenção: A Fonte do Poder Criativo
Outro ponto que Papus enfatiza em seu tratado é a importância da intenção no processo mágico. Para que um ritual tenha sucesso, o mago deve estar completamente focado e sua intenção deve ser clara. Qualquer distração ou falta de clareza mental pode resultar em um ritual falho ou em consequências inesperadas. Isso também é verdade no campo da arte, onde a intenção do artista muitas vezes é o fator determinante que diferencia uma obra poderosa de uma criação vazia ou sem impacto.
Na arte contemporânea, a arte conceitual elevou essa ideia ao extremo, ao sugerir que a intenção do artista é mais importante do que a própria execução física da obra. Em muitos casos, o objeto artístico se torna secundário, sendo a ideia ou a intenção por trás da obra o verdadeiro ponto central. Isso está intimamente ligado à visão de Papus de que a magia não reside nos objetos ou símbolos em si, mas na intenção e na vontade do praticante que os utiliza, que é a descrição de mago encontrada não só no tratado de papus, mas em diversos estudos voltando para o ocultismo.
Um exemplo claro dessa dinâmica é o trabalho de artistas como Sol LeWitt, cuja arte conceitual muitas vezes envolvia apenas instruções escritas sobre como uma obra deveria ser criada, deixando a execução física para outros. Nesse caso, o objeto final não é tão importante quanto a ideia ou a intenção original, espelhando a maneira como o mago de Papus usaria símbolos e rituais para moldar a realidade através da força de sua vontade.

Conclusão
O contato mínimo com a obra Tratado Elementar de Magia Prática de Papus revela uma compreensão profunda da magia como um ato de criação pela vontade, uma perspectiva que se alinha perfeitamente com muitas práticas artísticas contemporâneas. A manipulação de símbolos, a importância da intenção e a necessidade de autodisciplina são elementos centrais tanto na magia quanto na arte. À medida que o artista moderno busca criar obras que não apenas reflitam o mundo, mas o transformem, ele se aproxima da prática do mago, cujo objetivo é moldar a realidade de acordo com seus desejos e intenções.
Esses paralelos sugerem que a divisão entre arte e magia é muito mais tênue do que pode parecer à primeira vista, com ambas as práticas operando em um nível profundo de consciência e transformação. Assim, Papus nos oferece uma nova maneira de entender o poder criativo da arte, como uma forma de magia prática que continua a influenciar e moldar a percepção e a experiência humana nos dias atuais.